A União, os Estados, o Distrito Federal, os municípios, autarquias e demais entidades de caráter público criadas por Lei, são os chamados “Entes Públicos”. No meio jurídico e em especial no Direito do Trabalho, a responsabilidade destes quanto ao pagamento de verbas não quitadas por empresas terceirizadas (contratadas) e prestadoras de serviços é quase que sedimentada, ou seja, encontra raríssimas divergências de entendimento em suas instâncias.
Nesse passo, o posicionamento majoritário da Justiça trabalhista é de que há de se comprovar que a Administração Pública, não obstante haver o reconhecimento de que foi beneficiada por determinada mão de obra prestada por funcionário de empresa privada contratada, incorreu na chamada Culpa “in vigilando”, isto é, que deixou de encarregar-se com o seu dever de fiscalizar o cumprimento dos encargos trabalhistas por tais empresas.
Sobre o tema em específico, o Supremo Tribunal Federal em sede de repercussão geral (Tema 246), veda a responsabilização, ainda que subsidiária da Administração Pública, sendo possível o seu reconhecimento somente quando for demonstrado a prova inequívoca de uma conduta omissiva ou comissiva na fiscalização do adimplemento dos encargos contratuais trabalhistas pelas empresas contratadas.
Assim, meras alegações de que o Ente Público não fiscalizou o cumprimento de obrigações trabalhistas não bastam para requerer a sua responsabilidade na Justiça do Trabalho.
E Até aqui tudo bem! Agora vamos à realidade fática.
Há inúmeros casos postos à apreciação na Justiça do Trabalho onde é demonstrado o descumprimento de preceitos estabelecidos em Convenções Coletivas, a ausência de pagamentos de horas extras, depósitos de FGTS, pagamentos extras folha ou popularmente chamados “por fora”, “folgas trabalhadas” além do convencionalmente permitido e, pasmem, até mesmo da não quitação de verbas rescisórias por algumas empresas que prestam ou prestaram serviços para os já classificados Entes Públicos.
Em algumas situações, inclusive, há a demonstração de processos falimentares ou de encerramentos irregulares dessas empresas contratadas. Assim e em inúmeras outras situações que se assemelham, a administração pública deve figurar no polo passivo de ações trabalhistas como codevedora, não somente como medida de Justiça, mas, como talvez a única “proteção” do trabalhador de ter a esperança da contraprestação do seu labor já realizado, trabalho esse de natureza alimentar e de garantia mínima da manutenção de sua subsistência.
Assim, tal indicação desses Entes no polo passivo dessas reclamações trabalhistas, ao nosso ver e por enquanto em sua maioria, não afiguram simplesmente um mero delírio do advogado atuante.
O trabalho inicial e prévio ao ajuizamento de qualquer ação trabalhista decorre (ou deveria decorrer), de uma análise documental e a constatação de que, durante determinado lapso temporal, certo empregado, efetivamente, dispensou da sua mão de obra em benefício desses Entes Públicos, bem como restou verificada a inexistência de quitação de verbas decorrentes do contrato de trabalho, comprovadamente sonegadas nesse interregno pelo seu empregador principal.
No entanto, ainda diante de farta e robustas provas, absurdamente a administração pública é excluída, declarada não responsável, isentada de qualquer pagamento a esses trabalhadores.
Para corroborar o até aqui exposto, demonstramos os trechos de um julgado[1], do qual destacamos e negritamos, vejamos:
“(…) A parte Recorrente sustenta que o acórdão regional proferido colide com a tese fixada pelo STF, quando do julgamento da ADC n.º 16 e do Tema 246 da Tabela de Teses de Repercussão Geral. Entende que sua responsabilização foi fixada de forma automática.
Quanto ao tema, o Regional consignou:
“No caso, o segundo réu acostou aos autos mais de 20 mil páginas de documentos (fls. 797/21.525), os quais, apesar de indicarem indícios de diligências de inspeção, não foram efetivos para impedir a lesão ao patrimônio jurídico do trabalhador terceirizado, ineficiência que obsta a isenção de responsabilidade do tomador dos serviços.
É notória a culpa in vigilando do segundo réu. Isso porque o reclamante trabalhava na varrição de ruas sem recebimento do adicional de insalubridade adequado, irregularidade que não foi tempestivamente identificada pelo ente municipal, denotando falha de vigilância. Demais disso, não há prova da retenção de parte do pagamento em favor da empresa contratada quando da constatação do não pagamento do adicional de insalubridade.
Por tais razões, reformo a sentença para fixar a responsabilidade subsidiária do segundo réu pela dívida trabalhista, que abrange todas as verbas decorrentes da condenação.”
Ao exame.
“(…) No caso em tela, conforme se verifica do teor do acórdão Recorrido, o Regional reconheceu a responsabilidade subsidiária do Poder Público pela simples constatação de que a parte reclamante laborou em seu favor, e, ainda, pela ineficácia da fiscalização e pelo mero inadimplemento de verbas trabalhistas.
Tal entendimento, como visto, não se coaduna com o disposto no item V da Súmula n.º 331 do TST e no entendimento firmado, pelo STF, no RE 760.931 (Tema 246/STF).
Assim, demonstrada a violação do art. 71, § 1.º, da Lei n.º 8.666/93, conheço do Recurso de Revista.
MÉRITO
RESPONSABILIDADE SUBSIDIÁRIA – PODER PÚBLICO – TEMA DE REPERCUSSÃO GERAL N.º 246 DO STF – MERO INADIMPLEMENTO – CULPA IN VIGILANDO – NÃO COMPROVAÇÃO
Conhecido o Recurso de Revista, por violação do art. 71, § 1.º, da Lei n.º 8.666/93, dou-lhe provimento para julgar improcedente a demanda com o Poder Público. Prejudicado o exame dos demais aspectos recursais.
(…)”.
Conclui-se que esses ousados operadores do Direito, que balizam suas teses com a ausência da prova efetiva da fiscalização e da quitação, bem como os tenazes magistrados, Desembargadores e Ministros da Justiça do Trabalho que manifestam decisões contrárias ao entendimento “Supremo”, tornam-se restringidos de suas convicções e do seu livre convencimento em razão dessa repercussão geral e de possíveis Reclamações Constitucionais[2], momento em que são “obrigados” a reverem seus posicionamentos antagônicos e, mesmo diante das provas constantes nos processos, ao final, sujeitos à padronizar suas decisões, outorgando judicialmente à Administração Pública isenção total, ampla, de QUALQUER responsabilidade de pagamento.
Já se a relação é entre empresas privadas….
Retomamos: Eventuais recursos contra essas decisões que isentam a administração pública da sua inequívoca responsabilidade, são obstaculizados por não transcreverem trechos de outros julgados ou simplesmente transcrevê-los, por não demonstrarem quaisquer das transcendências ou simplesmente impedidos de conhecimento se considerados: “apenas para rever provas”, dentre outros sumulados e julgados por instâncias superiores e os seus quase enigmáticos motivos litúrgicos que ocasionam a não apreciação das razões recursais.
São Princípios fundamentais da Constituição Federal, dentre outros, a dignidade da pessoa humana, o bem estar social e o valor social do trabalho.
Afinal, em quais das hipóteses a Administração Pública que, beneficiada pela mão de obra de um funcionário de empresa contratada, incontestavelmente caracterizada como tomadora de serviços, deverá então responder pelo inadimplemento de verbas trabalhistas, salariais, de natureza alimentar, devidamente comprovadas como não quitadas aos empregados dessas empresas contratadas e prestadoras de serviços?
Silêncio no Tribunal! Mas a repercussão para os trabalhadores é sim geral, frustrante e com reflexos permanentes em suas vidas.
Artigo escrito pelo Dr. Maurício Augusto Sapata Martins – OAB/SP 370.412. advogado trabalhista na MORELLI & D’AVILA SOCIEDADE DE ADVOGADOS, Pós graduado em Direito e Processo do Trabalho. Pós graduado em Direito Civil, Processual Civil e Direito Empresarial.
[1] Processo nº TST-RR-1000312-14.2021.5.02.0075, em que é Recorrente o Município de São Paulo e são Recorridos João Pereira e Outros e é Custos Legis o Ministério Público do Trabalho.
[2] Ação que tem por objetivo garantir a autoridade de decisão ou Súmula proferida pelo Supremo Tribunal Federal.