Duvido que você nunca ouviu na TV ou na telona, em filmes, séries e até mesmo em novelas, o pomposo advogado, com sua face rubra, sobrancelhas franzidas, testa suada, estufar o peito e soltar o famoso: “Pela ordem Excelência!”
E não menos duvidosa é aquela cena também famigerada, onde o causídico despenteado, com seu paletó lhe abraçando mais do que deve e o nó da gravata lhe enforcando o gogó, erguer-se como um furacão com o dedo em riste e bradar: “Questão de ordem Excelência!”
Fato é que, com grande rotina, alguns causídicos fazem enorme confusão entre uma terminologia e outra, utilizando-as erroneamente em audiências, principalmente, mas não exclusivamente, no Tribunal do Júri, conjugando verdadeira heresia jurídica.
A correta utilização da expressão “questão de ordem” deve ter lugar apenas para suscitar questões de Direito, ou seja, quando houver a constatação, pelo advogado, da conjugação de alguma ilegalidade que se mostre patente.
Suscitada a “questão de ordem” pelo advogado ao juiz, a palavra deverá ser-lhe concedida para que fundamente, com a devida brevidade e clareza, qual o dispositivo legal que está sendo violado e o fato gerador de tal violação, para que o Magistrado aprecie.
De outra feita, o uso da palavra “pela ordem” é uma prerrogativa do advogado, prevista no art. 7º, inciso X, da Lei nº 8.906/94, onde acena-se pelo uso da palavra mediante “intervenção sumária”. Reza a citada lei:
“Art. São direitos do advogado:
(…)
X – usar a palavra, pela ordem, em qualquer julgamento ou tribunal, mediante intervenção sumária, para esclarecer equívoco ou dúvida surgida em relação a fatos, documentos ou suposições que influam no julgamento, bem como para replicar acusação ou censura que os feitos.”
Trocando em miúdos, para falar “pela ordem” é desnecessário que o juiz conceda a palavra, devendo o advogado, tão somente, fazer a manifestação, de forma objetiva e célere.
Outrossim, a trilogia do esclarecimento se dá para: (a) fatos; (b) documentos; e (c) afirmações. Nesse liame, sempre que no decorrer do voto de um recurso forem declinados fatos, apresentados ou citados documentos, e/ou ainda suscitadas afirmações que mereçam qualquer esclarecimento, pode o advogado utilizar o mágico “pela ordem”, visando esclarecer algum equívoco que ainda paire.
Ainda, frise-se que se a palavra do advogado for cassada ou caso o juiz ou tribunal indefira uma questão de ordem que o mesmo entenda estar ligada ao seu exercício profissional, pode ele utilizar a palavra “pela ordem”.
Enfim, a prerrogativa do advogado “falar” em audiência, em razão de seu exercício profissional, é tema que não mais se discute sua concessão (até porque, como já aludido, sequer é um requerimento).
Esta máxima é verdadeira? NÃO! Na prática a realidade não é bem assim, vez que o direito de manifestação do advogado é rotineiramente tolhido, de forma ofensiva, humilhante, desprezível e vexatória, cerceando, por conseguinte, a defesa de seu cliente!
A lei acima citada data de 1994 (quase 30 anos!), mas, ainda assim, os percalços encontrados no dia a dia forense, fruto de arbitrariedades despauperadas, se avolumam.
Apenas para ilustrar, há menos de cinco anos atrás ocorreu um caso emblemático, em que a Ordem dos Advogados do Brasil – Seção Goiás (OAB-GO), por meio de sua Diretoria e da Comissão de Direitos e Prerrogativas (CDP), repudiou veementemente.
Abaixo segue na íntegra texto extraído do link: https://www.oabgo.org.br/oab/noticias/nota-de-repudio/oab-repudia-ato-de-juiz-que-impediu-advogado-de-usar-expressao-legal-pela-ordem/
“O juiz Levine Raja Gabaglia Artiaga, da 5ª Vara Criminal da Comarca de Goiânia, impediu o advogado Carlos Roberto de Freitas de fazer uso da palavra “pela ordem”, para promover intervenção e esclarecimento de questões fáticas e de direito relevantes, durante audiência realizada nos autos nº. 201603023652, no dia 04/06/2018.
Após a tentativa de intervenção do Advogado utilizando o termo “pela ordem”, o magistrado o interrompeu questionando: “Pela ordem está escrito aonde? (sic)”, e quando o Advogado explicou que tinha direito a postulação e pediu que ele lhe ouvisse, o juiz afirmou que: “Eu não quero ouvir…”.
Em ato contínuo, não permitiu que se constasse um requerimento do advogado na ata da audiência, afirmando que o advogado poderia fazê-lo peticionando, e ainda disse que “…não tem em nenhuma lei, no Código de Processo Penal e em nenhum lugar dizendo ‘pela ordem’, isso é invenção dos senhores advogados”.
Ao final, questionado pelo advogado se só ouvia advogados através de leitura respondeu: “É só através de papel. O senhor peticiona e eu leio…”.
Reservo-me ao pretenso direito de indagar se, por parte do indigitado Magistrado, houve ignorância a tão antiga lei (e, portanto, total imperícia para o cargo que ocupa), maldade e/ou injustificada perseguição ao advogado e/ou ao respectivo cliente ou, por fim, por problemas particulares, simplesmente não estava num bom dia naquela ocasião. São perguntas que jamais calarão…
Mas somente uma classe forte e unida, bem representada por seu órgão federativo, in casu a OAB, pode fazer frente a tamanha barbárie e impedir que injustiças tais se reprisem no futuro.
E não é só um imponente Colegiado que deve fazer sua parte, já que nós causídicos é que estamos na linha de frente das árduas batalhas travadas e suportamos todas as intempéries, trazendo de volta para o nosso escritório as feridas angariadas pós audiências. Somos nós os reais detentores do direito/dever de empunharmos as nossas espadas e exercermos a advocacia com dignidade e independência, observarmos a ética, os deveres e prerrogativas profissionais e defendermos a Constituição, a ordem jurídica do Estado Democrático, os direitos humanos, a justiça social, a boa aplicação das leis, a rápida administração da Justiça e o aperfeiçoamento da cultura e das instituições jurídicas, tal e qual juramos ao recebermos o nosso sagrado título de ADVOGADOS!
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